DEV Community

Felipe
Felipe

Posted on

Sistemas Holonômicos: O Que Arthur Koestler Pode Ensinar Sobre Arquitetura de Software

O Dilema que Todo Arquiteto Enfrenta

Como construir sistemas que sejam coesos o suficiente para serem compreensíveis e desacoplados o suficiente para evoluírem independentemente?

De um lado: o monolito — simplicidade inicial que vira pesadelo.
Do outro: microservices — flexibilidade que pode virar complexidade operacional.

E se existisse um framework mental que equilibrasse essas forças? Existe. E vem de um lugar inesperado: um livro de filosofia de 1967.


Arthur Koestler e o Conceito de Holon

Em 1967, o filósofo húngaro-britânico Arthur Koestler publicou "The Ghost in the Machine". Frustrado com dicotomias simplistas, ele criou um termo novo: holon.

Etimologia

  • holos (grego): "todo", "inteiro"
  • sufixo -on: conota "partícula" (como próton, nêutron)

Holon = uma entidade que é simultaneamente um TODO completo e uma PARTE de algo maior.

A Dualidade Fundamental

"Cada holon tem duas tendências: uma tendência integrativa de funcionar como parte de um todo maior, e uma tendência auto-afirmativa de preservar sua autonomia individual."
— Arthur Koestler

Koestler chamou isso de "efeito Janus" — como o deus romano de duas faces. Todo holon olha simultaneamente para dentro (sua integridade) e para fora (o sistema maior).


Holons na Natureza

Seu corpo é uma holarquia perfeita:

ORGANISMO
    └── ÓRGÃO (coração)
          └── TECIDO (músculo cardíaco)
                └── CÉLULA
                      └── ORGANELA
Enter fullscreen mode Exit fullscreen mode

Cada nível é:

  • Autônomo: funciona por si
  • Integrado: contribui para o todo

Quando esse equilíbrio quebra? Câncer — células que mantêm autonomia mas perdem integração.


O Problema das Arquiteturas Tradicionais

Monolito Mal Estruturado

Componentes são apenas partes — sem autonomia real:

  • Não testam isoladamente
  • Não deployam independentemente
  • Falha propaga para tudo

Suprimiu a tendência auto-afirmativa.

Microservices Mal Implementados

Dezenas de serviços com HTTP síncrono formando um "distributed monolith":

  • Chamadas síncronas em cadeia
  • Falha de um derruba todos
  • Complexidade sem benefício

Autonomia nominal, integração caótica.


Self-Contained Systems: Holonomia na Prática

A empresa alemã INNOQ formalizou o conceito de Self-Contained Systems (SCS).

Características

Princípio Descrição
Autônomo Aplicação web completa
Vertical Slice UI + lógica + dados próprios
Sem sync no request/response Não chama outros SCS sincronamente
Equipe única Um time por SCS

A Regra de Ouro

Outros SCS não devem ser acessados sincronamente dentro do ciclo request/response.

Se precisa de dados de outro SCS → tem uma cópia local atualizada por eventos.


SCS vs Microservices: Comparação Honesta

O que NÃO é diferença

❌ "SCS usa async, microservices usa sync"

Errado. Microservices modernos usam Kafka, RabbitMQ, event-driven architecture.

As diferenças reais

Aspecto SCS Microservices
Quantidade 5-25 50-500+
UI Obrigatória Opcional
Granularidade Domínio de negócio Mais granular
Sync no request Proibido Permitido

Anatomia de um Holon de Software

┌─────────────────────────────────────────────┐
│              HOLON: Pedidos                 │
├─────────────────────────────────────────────┤
│  INTERFACE PÚBLICA                          │
│  • API REST/GraphQL                         │
│  • Eventos publicados (Kafka)               │
│  • Eventos consumidos                       │
├─────────────────────────────────────────────┤
│  LÓGICA DE DOMÍNIO                          │
│  • Regras de negócio                        │
│  • Workflows/Sagas                          │
├─────────────────────────────────────────────┤
│  PERSISTÊNCIA                               │
│  • Banco próprio                            │
│  • Réplicas de dados externos               │
├─────────────────────────────────────────────┤
│  AUTO-REGULAÇÃO                             │
│  • Health checks                            │
│  • Circuit breakers                         │
│  • Métricas                                 │
└─────────────────────────────────────────────┘
Enter fullscreen mode Exit fullscreen mode

A Regra de Dependência

// ❌ ERRADO
import { EstoqueService } from '../estoque';

// ✅ CORRETO
await eventBus.publish({
  type: 'PedidoCriado',
  payload: pedido
});
Enter fullscreen mode Exit fullscreen mode

Holons não importam outros holons diretamente.


Desafios da Comunicação Assíncrona

1. Ordenação de Eventos

Enviado: [A, B, C]
Recebido: [A, C, B] 😱
Enter fullscreen mode Exit fullscreen mode

Solução: Kafka garante ordem por partição.

2. Duplicação (at-least-once)

if (await jaProcessado(evento.id)) return;
await processar(evento);
await marcarProcessado(evento.id);
Enter fullscreen mode Exit fullscreen mode

3. Eventual Consistency

Aceite como realidade. UI mostra "processando..." quando necessário.

4. Debugging Distribuído

Correlation ID em todos os logs + Jaeger/Zipkin.


Quando Usar (e Quando Não)

✅ Use quando:

  • Múltiplos domínios distintos
  • Times precisam de independência
  • Alta disponibilidade é crítica
  • Escala diferenciada por domínio

❌ Evite quando:

  • Sistema pequeno, equipe única
  • MVP ou prova de conceito
  • Consistência forte é requisito
  • Sem experiência em sistemas distribuídos

Caminho de Evolução

Monolito Modular
       ↓
Schemas separados
       ↓
Introduzir mensageria
       ↓
Sistema Holonômico Completo
Enter fullscreen mode Exit fullscreen mode

Evolua quando a dor justificar, não antes.


Conclusão

Holonomia não é bala de prata. É um framework mental.

O que Koestler nos ensinou: sistemas resilientes mantêm equilíbrio entre ser todo e ser parte.

Monolitos, microservices, SCS — todos podem funcionar. A sabedoria está em escolher certo para o contexto.


Referências


"O todo é mais do que a soma das partes, mas as partes são mais do que fragmentos do todo."


Gostou? Deixe um ❤️ e compartilhe com quem está enfrentando decisões de arquitetura!

Quer discutir? Comenta aí embaixo 👇

Top comments (0)